segunda-feira, 18 de junho de 2007

Capitão capture essa menina!

Capitão Vitorino Carneiro da Cunha. Era assim que ele se apresentava. Fazia questão que mesmo os seus filhos dissessem seu nome completo quando eram perguntados. Não tinha receios. Desde que se tornou capitão, sabia que tinha que mostrar aos seus homens que era um sujeito de fibra.
Foi na Paraíba que se criou, e lá sonhava em morrer, não como os outros, desejava uma morte honrosa. Para que todos lembrassem do seu nome. Seria imortal.

Na ensolarada Paraíba, mas especificamente, na cidade de Cabedelo, também vivia uma menina. Seu nome ninguém sabia, todos a chamavam de "menina", logo ficou conhecida como Nina. Ninguém sabia de onde ela tinha surgido. Fora abandonada com 2 anos de idade.

Era um lindo verão em Cabedelo, Nina suava. Não só pelo calor, mas porque estava correndo há algumas horas. Parava somente para tomar fôlego. Não podia parar, tinha que chegar ao seu destino o quanto antes.
Estava correndo contra o tempo. Estava fugindo. Fugindo dele. Fugindo do Capitão Vitorino Carneiro da Cunha.

O Capitão comia apressado para um novo dia de trabalho. Estava feliz, pois fora condecorado no dia anterior. Era a sua quinta condecoração. Mas essa era diferente. Era a mais importante. Capturou uma pessoa perigosíssima. Capturou Nina.

Ao chegar ao seu quartel, recebeu efusivos abraços. Todos o cumprimentavam pelo seu grande feito. Vitorino enchia o peito ao ver seu nome em uma medalha dourada, que reluzia mais do que o próprio ouro. Era o dia mais feliz de sua vida.

Nina tentava se achar pelo sol. Não conseguia. Agora, além de está sendo caçada, não sabia mais em que direção fugir. Tentou se guiar pelo vento. Que vento? Não sentia o vento.
Seus pés doíam. Sua cabeça começou a girar. E de repente, tudo ficou escuro. Apagou.

Capitão Vitorino, ao chegar em casa tarde da noite, fez questão de mostrar a medalha à sua família. Todos estavam orgulhosos dele. Vitorino não conseguia lembrar de um dia tão feliz.
Mas durante o banho, um rosto surgiu em sua mente. Era o rosto de Nina. Aquele mesmo rosto angelical em que ele cuspiu. Aqueles olhos castanho-mel em que ele vira a mais profunda ira.

- Nina... - sussurrou.

Sim, agora lembrara. Não que tivesse esquecido, nunca esqueceria. Mas tentou esquecer, tentou esquecer que Nina um dia existiu.
Afinal: Nina estava morta.

Nina acordara. Estava em cima de um burro. Não reconhecia a paisagem. Ainda estaria em Cabedelo, a cidade em que foi criada? Era o que se perguntava.

Ao olhar melhor, percebeu que um homem puxava o burro.

- Quem é você? - perguntou, ainda atordoada.

- Capitão Vitorino Carneiro da Cunha.

- Eu conheço o senhor, capitão?

O Capitão permanecia calado. Os cabelos ruivos e cacheados de Nina estavam enganchando na corda com a qual ele puxava o burro. O capitão, calmamente parou o animal e os arrumou.

Vitorino depois do banho. Foi se deitar. Sua mulher o acariciava, mas ele não correspondia. Seu pensamento não mudara: Nina.

A menina aproveitou que o burro parou, desferiu um golpe no capitão e saiu correndo. Correu. Correu mais que podia. Corria desde os cinco anos. Estava com 16. Correu. Mas não o suficiente.

Vitorino ria alto, puxando-a pelos cabelos. Sua risada parecia, a risada do próprio demónio. Mas era o nome de Deus que saia de sua boca.

- Menina imunda! Na casa de meu pai você não entra! Deus não recebe pessoas que fizeram o que você fez.

Nina tentava não gritar, mas a dor que estava sentindo era mais forte. O Capitão puxava com tamanha força, que sentia que iria perder os cabelos ali mesmo, sem ao menos lutar.
Então lutou. Em vão. Ele era mais forte.

Vitorino não conseguia dormir. Levantou-se e foi em direção à cozinha. Não conseguiu chegar. Ficou parado, petrificado. A sala estava escura, mas saia um luz amarela da cozinha.
Nina estava lá. Sentada em cima da mesa, olhando para ele. Ela estava mais linda do que nunca: Seu cabelo brilhava, sua pele estava corada como o Capitão nunca tinha visto.
Vitorino, calmamente voltou para o quarto, entrou debaixo dos lençóis e tentou dormir.
Sabia que não podia ser ela. Nina estava morta. Ele a matou.

Depois de arrastada a menina não mais chorou. Vitorino a prendera em baixo de uma árvore. O sol batia forte em seu rosto. Vitorino começou a rir ao mesmo tempo em que escovava seus cabelos.
Nina tentou morder sua mão, mas não conseguiu. Conseguiu sim, uma vermelhidão do lado esquerdo do rosto.

Algumas horas depois, Vitorino voltou com a comida para sua prisioneira. Era uma tigela de banana amassada. Nina conseguiu derramá-la. Quando o capitão tentou dar-ler o que tinha sobrado na tigela, ela cuspiu em seu rosto. Ele cuspiu de volta.

A noite já estava caindo e a prisioneira permanecia amarrada. Vitorino estava sentado em sua frente. Os dois estavam se encarando há horas.

O que Nina tinha feito era algo imperdoável. Pelo menos, era isso que pensava o capitão.

- Por que, menina? Porque matou o padre Olavo? - indagou.

- Ele tentou me possuir. Tive que mata-lo.

Uma ira incontrolável tomou conta de Vitorino. Desamarrou Nina e, com força, a arrastou.

Estavam ali os dois, filhos da Paraíba. Não havia nenhum sinal de vida por perto. Só a vida dos dois.

Era um precipício. A menina já não esboçava nenhuma reação. Vitorino quis joga-la. Não jogou.

- Aonde pretendia ir, menina? - indagou

- Para a casa de minha tia, em Guarabira. - respondeu em tom calmo.

O capitão virou-se e, lentamente foi se afastando de Nina. Ela permanecia imóvel.

- Vá para casa de sua tia, então. E não pense em voltar a esta cidade. Padre Olavo era muito querido por todos. Nós crescemos juntos. Ele era meu melhor amigo! E você o matou!

Teve raiva novamente. Quis ataca-la. Não atacou.

- Vá para casa dos seus, menina. E que Deus tenha piedade de sua alma.

Nina continuava imóvel.

- Deus me quer junto dele agora. - Disse em um tom mais calmo que antes.

- Não seja burra! Suicídio é o pior dos pecado!!! - Gritou o capitão.

- Pecado seria continuar vivendo nesse mundo... - disse a menina

Nina não completou a frase. Jogou-se. O capitão tentou segura-la. Em vão.

Vitorino voltou à cozinha. Não havia mais ninguém lá. Nenhuma luz amarela, nenhuma menina. Mas algo estava sobre a mesa. Era uma carta do seu amigo padre, o padre Olavo, assassinado por Nina. No envelope estava uma data: o dia anterior a sua morte.
Abriu o envelope com cautela. Leu a carta. Colocou de volta em cima da mesa. Foi ao quarto, se vestiu e saiu. Ao bater a porta, tentou lembrar o que exatamente estava escrito, era difícil de acredita. Não tinha dúvidas, a carta era aquilo mesmo: Um papel amarelo, no cento uma foto de Nina e logo em baixo estava escrito:

"Capitão capture essa menina!"


FIM

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