quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Making of "Se pouco já se vai"

ATENÇÃO!!! LEIA O “MAKING OF” ANTES DO CONTO POR SUA CONTA E RISCO. VOCÊ FOI AVISADO!


"Um jovem encontra seu mestre em uma cidade dominada pelo caos."

Essa era a única coisa que eu sabia. E foi exatamente por isso que eu não me sentia apto a escrever algo com tão pouco. Hesitei muito em escrever esse conto. Aliás, não sei se posso chamar essa estória de conto. Talvez seria mais apropriado chama-la de "fragmento". Li em algum lugar que um conto tem que ter começo, meio e fim; e não estou muito certo se o meu os contém.

Gosto de ideia de caos na narrativa. Apresentando ao leitor o meio da ação. Ele não acompanha o surgimento dos fatos. Ele é simplesmente jogado no meio da história.

Como esse blog existe para meus teste literários - quanta pretensão! - não tive medo de deixar que a narrativa se apresentasse enquanto escrevia. Foi gostoso descobrir o que aconteceria a seguir.
Não acho que esse conto seja difícil de entender, mas também não queria deixar tudo óbvio e certinho. Ao final, quase caí na tentação de tentar dar uma explicação plausível a tudo. Ao meu ver, o conto não se fecha em momento algum. Tudo é deixado em aberto. O leitor pode ou não imaginar o que de fato aconteceu. Acho, inclusive que isso pode ser um pouco decepcionante. O que tentei foi testar a força da narrativa, dando mais importância aos personagens e deixando de lado o que aconteceu.

Ps.: Excepcionalmente o título só veio depois de escrito o conto.

Obrigado a todos, especialmente ao eventual leitor transeunte que se encontrar por aqui.

Se pouco já se vai

_Apesar do medo e da dificuldade toda que tinha em caminhar, não pude deixar de segui-lo. Não o enxergava direito, pois tudo era fumaça, barulho e gritos. Nada me era distinto, mas eu continuava a segui-lo. Era meu mestre.

Eu sabia que só podia ser ele. Ele me ensinara tudo. Foi então, que envolto nesses pensamentos, eu me agitei. E em um gesto quase que involuntário, minha boca se articulou de tal forma e disparou seu nome. No meio da confusão, o homem repentinamente se virou, pousando seu olhar sobre mim. Nesse momento não pude mais conter a emoção. Meu mestre olhara para mim! Mesmo que fosse um olhar cheio de mágoa e angústia, ele olhara para mim. Naquele momento único ele olhara só para mim. Eu, somente eu, prendia-lhe toda a atenção e, sem perceber já lhe pedia perdão.

Fora um ato inconsequente. Ninguém poderia culpar-me. Era uma criança. Nunca me ensinaram o certo e o errado, nunca me ensinam limites ou consequências. Tudo aquilo dependia de mim. Um fardo muito pesado.

Meu mestre, aquele homem que me olhava em meio ao caos, começou a caminhar em minha direção. Um medo extremado tomou-me conta.

O que diria? O que faria comigo? Esse medo me fez correr.

Não me atrevia a olhar para trás. Mesmo assim olhei. E vi meu mestre correndo qual um cão atras da sua caça. Seus olhos estavam mergulhados em lágrimas, vermelhos. Nunca vira aquele sentimento em seus olhos. Era o ódio que tinha se apossado do seu espírito. Decerto o ódio mais puro que jamais sentira. Não tive dúvida. Ele me mataria.

Corri o mais rápido que pude. Não foi o bastante. Ele logo me alcançou. Jogou-se sobre mim com tamanha força que ao chegar ao chão não era mais alguém. Minha vida se desfez naquele instante. Eu era um corpo morto. Um simples cadáver desfeito naquela cidade agitada.

Sua raiva era tanta, que não percebeu o sangue que jorrava da minha cabeça inclinada, não percebeu meu pescoço quebrado. Meu sangue abundante espalhava- se pela sarjeta, em direção ao bueiro mais próximo.

Meu mestre continuava a chorar enquanto libertava toda sua fúria em meu corpo já sem vida. A multidão não deu importância. Pisavam em meu sangue, sem ao menos percebe-lo. Todos apressados para apagar o incêndio que eu causara. Todos alimentando a vã esperança que Sophia ainda estaria viva. O furioso homem sabia que não estava.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

chuva


"Uma pequena batida na vidraça, com se qualquer coisa a tivesse atingido, seguida de uma ampla queda leve como grãos de areia que deixassem tombar do alto de uma janela, em cima, e depois a queda estedendo-se, regulando-se, adotando um ritmo, tornando-se fluida, sonora, musical, inumerável, universal: a chuva."

Marcel Proust - No caminho de Swann