quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

.escrita avulsa

Notadamente diferenciou aquele olhar. Não podia notar as vozes. Olhou-as através daquele sol amarelo, aquelas pessoas agora estranhas. Não as reconhecia. Nem eu a ela. Agora estava sozinha. Eu a amava.

Depois veio a escuridão e ela já não estava só. Eu morri por ela, sem ela saber. Sentia-se sozinha. Não estava. No fundo nunca gostou da solidão, porém naquele único momento precisava encontrar-se. Eu a ajudaria. Foi um momento único. Seu instante “abracadabra”. Toda magia estava nela. E eu estava com ela, eu a protegeria.

Ela gostava de desenhar. Desenhava girassóis em seu caminho. Seu lápis amarelo quase florescia, iluminando momentaneamente a escuridão mais profunda.

Folhas de papel almaço esvoaçando no ar. Eu a abraçava.

Sempre gostara do amarelo, no entanto tudo havia mudado. Vivenciava agora m novo elemento. O vermelho. Achava agora que o vermelho dizia mais, dizia mais sobre ela. Era forte e delicado ao mesmo tempo, queria ser laranja, rosa e marrom; queria ser sangue. E foi.

O sangue escorreu pelas minhas mãos opacas. Não podia tocá-la. Morreria por salvá-la, morreria para salvá-la, morreria novamente.

Notadamente diferenciei aquele olhar. Podia notar minha presença. Quase pude senti-la, mas não pude salva-la. Não iríamos nos encontrar, ela iria para outro lugar e eu, eu ficaria sem ela por toda a eternidade. A criatura mais triste de todas. Durante muito tempo não pude me perdoar. Não pude salva-la. Eu a amava e não pude salva-la.

Não poderia salva-la. Nunca poderia. Precisava antes salvar a mim.

Obrigado por me salvar.

Sinto a sua falta...


Essa é a minha história, a história da minha ascensão.

domingo, 31 de outubro de 2010

.fragmento ~ Organismo sistemático

Eu não sei ao certo em que momento estamos. Gostei do que me disse aquele dia, de todas elas. Eu nem sabia o que te dizer, como te agradecer. O fato de estar tudo acabado, ajudou. Sei que talvez as coisas estejam um tanto obscuras nesse momento, mas acredite, ficarão mais. Sinto algo que a muito tempo não sentia. Aqui trancafiado nesse quadrado infame, eu precisava correr, eu precisava sobreviver, fugir daqui. Houve um tempo em que tudo o que queria era um vida como esta, mas isso era quando não tinha tantos medos e responsabilidades.

Perdão. Se a distância não fosse tão grande, ninguém saberia ao certo onde, nem quando iria acabar. Tenho que me contentar com que posso, dentro de todas as minhas funcionalidades. Estou preocupado com ela. Sempre o mesmo pronome que eu não ouso proferir aqui, não importa o quanto a vontade me venha, das mais diversas forma. Não me olhe assim, seus pensamentos não chegam perto dos meus. Não tente me compreender. Meu organismo sistemático não pode ser desvendado com tanta facilidade.

Eu até voltaria atrás se estivesse errado. Seria até bom estar errado. Eu não quero mais viver assim, dentro das minhas possibilidades. Não seria quem eu gostaria. Não me vejo mais quando penso no que não passei, nas coisas que não aprendi, e me questiono que palavras vão me salvar. Nenhuma dessas, provavelmente. Não, não, eu não sei quem está comigo, nem quem não está. De qualquer forma eu não vejo ninguém comigo.

Estou morrendo. Devagar, lentamente, ao pouco, morrendo aos poucos. Será que não mereço algo mais digno do que isso. Morrer aos poucos, como um cão esquartejado lentamente. Que destino cruel a todos os meus semelhantes. Basta. Não há mais nada. Somente o tempo e o vento a atravessá-lo.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Das palavras que escolhi

Não sei mais o que fazer desta única vez, como quase sempre. Quase gosto disso. De pensar que tudo se resolverá sozinho. Nada do que pensei será. Frases curtas. Não quero escrevê-las, mas elas saem. A todo momento sei que estou perdendo. Não quero perdê-la(s). Quem será ela? Ah! Quantas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Todas incipientes, frágeis e abundantes de algum desprezo, que eu ainda não sei ao certo qual é. E não volta; nunca mais voltará. E se voltassem? Poderiam voltar? Eu falo dos momentos, dos recortes, daqueles instantes únicos que só acontecem um de cada vez, em seu tempo, nunca simultaneamente. Estou falando dos momentos que não marcam o princípio e sim o fim. Esse fim é o que mais almejo. Estou falando dos olhares, do desejo. Falo daquela vontade que não passa com o tempo. Estou falando do querer fingido, do desejo de se aproximar, que se aproxima sem ser percebido. Pra quem mesmo eu estou dizendo tudo isso? Estou falando dos nossos impedimentos. Passados e futuros. Já no presente são indisponibilidades. Pra quem escrevo? Se escrevo, escovo, penteio, visto, cuido e arrumo uma vez mais. Só dessa vez.

São esses momentos único que nos fazem viver. Que me faz nos querer por perto um do outro, mesmo que ela não saiba das coisas que sinto, senti, sentirei e, cabe aqui dizer, sentiremos separados. Nem tudo o que eu quero pode ser. Se eu voltasse teria feito diferente? As mesmas palavras. Será instinto? O que quero dizer é que não basta a coragem de ser, preciso mais. Serão a mesma pessoa? Ela(s).

Hoje acredito que tudo tem um motivo pra ser. Porém não desacredito no acaso. Quero encontrá-la(s). De quem eu estou falando? Pareço confuso. Sou. Das palavras que escolhi; não paro de formatá-las, modificá-las, entrosá-las, tentando criar um caos organizado que só eu entenda. Uma espécie de código que apenas eu possa decifrar. As revelações que faço aqui são só minhas. Minhas até o momento que não forem mais simples palavras. Em que se transformarão?

Gosto de pensar que tudo se resolverá sozinho. Ah! Quem liga para o que sinto? Sinto dizer, mas nem eu ligo. Desses sentimentos que sufocam, dessas agonias já tão presentes, que se se ausentam, sentimos uma falta danada. Quem deveria? Quem deveria se importar? Haja o que houver, eu continuarei por aqui. Se a tristeza, essas melancolias disfarçadas de introspecção, misturam-se com as felicidades puras, simples e plenas, já não há muito o que fazer. Das palavras que escolhi. Nem todas bonitas, a maioria são redundâncias propositais que definem o que sentimos, pensamos, desejamos, que exprimimos através das palavras perdidas entre espaços em branco. Foco no instável. Quem não estaria assim?

Nada faz muito sentido quando estou sozinho. Ou só fazem algum sentido justamente quando estou sozinho. Esse desprezo das boas companhias; quase gosto de mim. A solidão me ensinou a solitude. E foi assim que comecei a gostá-la. Ela, ela, elas, elas, ela, elas, eu, o ódio, o amor também. É tudo junto? Adjetivos brincando de substantivos, mas não os são, não nessa forma patética. A indiferença sempre atrai; daí traí, contraí, me atraí. O calor também. Quem se revelará por último?

A vítima fui eu. Eu até tentei evitar, mas afinal, quem poderia evitá-la? Quem poderia? Só não poderia, como não queria. Gosto do fim das coisas bonitas que me atraem. Gosto de frases curtas. As mais curtas que não sabem bem quem sou. Que não definem. Ah! Eu gosto das redundâncias sem sentido algum. Tudo pra me distrair.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Predestinação elevada ao sublime onírico do nada ser

Eu não sei escrever. Nunca soube e duvido muito que um dia saberei. A minha pretensa habilidade nunca existiu. Tudo uma farsa.

A cultura que me falta é todo o conhecimento que eu não aprendi.Tarde demais. Não posso mudar o que não aconteceu. Todos os livros que eu devia ter lido e nunca li. Toda a minha formação não passou de lixo. De que me adianta esse conhecimento superficial?

Qual é a minha utilidade no mundo? Para que eu vos sirvo?

E vocês a mim, servem para quê?

Para me humilhar? Para me aprisionar? Para me abandonar?

De tudo o que eu sinto, essa amargura, esse desespero, essa angustia; tudo é o que mais me dói.

O que eu queria ser e não sou.

Porque eu não sou? O que eu sou? Quem eu sou? Qual é o meu caminho?

Só perguntas. Nenhuma resposta.


E aqui prossegue o meu escárnio a respeito do desespero que sou eu:


A versão empírica da sociedade não me satisfaz.

O que esperam?

A questão sempre pára em mim.

Os arroubos de criatividade originais não mais produzem os resultados de outrora. A dispersão assume um sentido amplo. Descargas de energia disparam a volta do corrimento não mais versátil. A produção que nunca desperta. Tudo me é hostil.

A forma de tornar-me, de formar-me, de construir algo bom através de conhecimentos aleatórios; nunca significou nada além do surgimento de uma espírito atormentado.

E no futuro, talvez longínquo, onde eu estiver velho, sábio ou não - pronto pra morrer - eu lembre da questão fundamental da minha vida.

O que sou eu?

NADA.

Eis o fundamento da minha alma

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Making of "Se pouco já se vai"

ATENÇÃO!!! LEIA O “MAKING OF” ANTES DO CONTO POR SUA CONTA E RISCO. VOCÊ FOI AVISADO!


"Um jovem encontra seu mestre em uma cidade dominada pelo caos."

Essa era a única coisa que eu sabia. E foi exatamente por isso que eu não me sentia apto a escrever algo com tão pouco. Hesitei muito em escrever esse conto. Aliás, não sei se posso chamar essa estória de conto. Talvez seria mais apropriado chama-la de "fragmento". Li em algum lugar que um conto tem que ter começo, meio e fim; e não estou muito certo se o meu os contém.

Gosto de ideia de caos na narrativa. Apresentando ao leitor o meio da ação. Ele não acompanha o surgimento dos fatos. Ele é simplesmente jogado no meio da história.

Como esse blog existe para meus teste literários - quanta pretensão! - não tive medo de deixar que a narrativa se apresentasse enquanto escrevia. Foi gostoso descobrir o que aconteceria a seguir.
Não acho que esse conto seja difícil de entender, mas também não queria deixar tudo óbvio e certinho. Ao final, quase caí na tentação de tentar dar uma explicação plausível a tudo. Ao meu ver, o conto não se fecha em momento algum. Tudo é deixado em aberto. O leitor pode ou não imaginar o que de fato aconteceu. Acho, inclusive que isso pode ser um pouco decepcionante. O que tentei foi testar a força da narrativa, dando mais importância aos personagens e deixando de lado o que aconteceu.

Ps.: Excepcionalmente o título só veio depois de escrito o conto.

Obrigado a todos, especialmente ao eventual leitor transeunte que se encontrar por aqui.

Se pouco já se vai

_Apesar do medo e da dificuldade toda que tinha em caminhar, não pude deixar de segui-lo. Não o enxergava direito, pois tudo era fumaça, barulho e gritos. Nada me era distinto, mas eu continuava a segui-lo. Era meu mestre.

Eu sabia que só podia ser ele. Ele me ensinara tudo. Foi então, que envolto nesses pensamentos, eu me agitei. E em um gesto quase que involuntário, minha boca se articulou de tal forma e disparou seu nome. No meio da confusão, o homem repentinamente se virou, pousando seu olhar sobre mim. Nesse momento não pude mais conter a emoção. Meu mestre olhara para mim! Mesmo que fosse um olhar cheio de mágoa e angústia, ele olhara para mim. Naquele momento único ele olhara só para mim. Eu, somente eu, prendia-lhe toda a atenção e, sem perceber já lhe pedia perdão.

Fora um ato inconsequente. Ninguém poderia culpar-me. Era uma criança. Nunca me ensinaram o certo e o errado, nunca me ensinam limites ou consequências. Tudo aquilo dependia de mim. Um fardo muito pesado.

Meu mestre, aquele homem que me olhava em meio ao caos, começou a caminhar em minha direção. Um medo extremado tomou-me conta.

O que diria? O que faria comigo? Esse medo me fez correr.

Não me atrevia a olhar para trás. Mesmo assim olhei. E vi meu mestre correndo qual um cão atras da sua caça. Seus olhos estavam mergulhados em lágrimas, vermelhos. Nunca vira aquele sentimento em seus olhos. Era o ódio que tinha se apossado do seu espírito. Decerto o ódio mais puro que jamais sentira. Não tive dúvida. Ele me mataria.

Corri o mais rápido que pude. Não foi o bastante. Ele logo me alcançou. Jogou-se sobre mim com tamanha força que ao chegar ao chão não era mais alguém. Minha vida se desfez naquele instante. Eu era um corpo morto. Um simples cadáver desfeito naquela cidade agitada.

Sua raiva era tanta, que não percebeu o sangue que jorrava da minha cabeça inclinada, não percebeu meu pescoço quebrado. Meu sangue abundante espalhava- se pela sarjeta, em direção ao bueiro mais próximo.

Meu mestre continuava a chorar enquanto libertava toda sua fúria em meu corpo já sem vida. A multidão não deu importância. Pisavam em meu sangue, sem ao menos percebe-lo. Todos apressados para apagar o incêndio que eu causara. Todos alimentando a vã esperança que Sophia ainda estaria viva. O furioso homem sabia que não estava.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

chuva


"Uma pequena batida na vidraça, com se qualquer coisa a tivesse atingido, seguida de uma ampla queda leve como grãos de areia que deixassem tombar do alto de uma janela, em cima, e depois a queda estedendo-se, regulando-se, adotando um ritmo, tornando-se fluida, sonora, musical, inumerável, universal: a chuva."

Marcel Proust - No caminho de Swann