quinta-feira, 19 de março de 2009

O ser vil que serviu

Escobar caminha pelo salão gélido e escuro. Não há nada na sua frente, a não ser um antigo espelho fosco. Suas mãos suadas e trêmulas movem-se com a intensidade do vento. Em sua mente tudo está claro. Seu objetivo, um propósito maior e, sua arma.

O desejo quase o consome antes do movimento preciso. Controla. O fator-movimento acontece. Barulho! Formas geométricas imperfeitas caem ao chão. Reflexos: é Bentinho. Como era conhecido Bento Santiago. Ele sangra. Um sangue viscoso e vermelho. Nada diferente de outros que já vi. Em seus olhos, o desespero. A vida se esvaindo. A chama se apagando. Imagino tudo escurecendo.

Escobar corre em minha direção. Passa reto por mim, muda o trajeto. Tudo me faz crer que não me viu. Permanece vários instantes parado. Observando sua presa ferida mortalmente. Em seus olhos o rancor e a raiva, se transformaram em algo obscuro. Talvez ternura, talvez remorso, talvez culpa. Sem dúvida algo mais nobre do que sentira no momento anterior.

Aproxima. Ajoelha. Pega-o em seus braços.
Quase posso ouvir-lo. Quase. Me parece um pedido de perdão, mas posso ter me enganado. A respiração forte de Bentinho atrapalhava o caminho das palavras. Tudo me era confuso.

Bento sangrava toda roupa de seu algoz. Era tanto sangue. Tão vermelho. Tanto sangue. A sala estava impregnada daquele cheiro vermelho. Aquela cena, por algum motivo, lembrou-me morangos.

Foi um pensamento esdrúxulo, admito. Inusitado, quem sabe.

A violência cessara. A vítima balbuciou algumas poucas palavras ao ouvido de Escobar. Nada compreensível. Acho que era alemão.

D
esfaleceu. Sua respiração, de repente, silenciou. Tudo era o silêncio, que estava em tudo.

Aqui jás Bento Santiago. Morto em sua sala sem muita honra”. Daria um belo epitáfio, pensei.

Sua morte serviu a um propósito maior. Foi o que ouvi semanas depois do ocorrido.

Escobar não permaneceu vivo por muito tempo. Foi apenas o tempo de servir também ao tal propósito maior: "a salvação de nossas almas". Foi o que me disse, em meus braços, antes de morrer.

Um ato desnecessário, decerto. Eu o matei.

Agora é esperar...

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