segunda-feira, 4 de maio de 2009

A amiúde iniquidade lancinante do asco por ti

Assim que se passaram as primeiras juras de amor, compreendeu que não iria ser até a morte. Muita coisa tinha mudado. Ela inclusive. De discussões passageiras que terminavam na cama, até as mais sérias, que terminavam em tapas. Tudo a inclinava à separação definitiva. De todas as suas dúvidas, as relacionadas ao amor eram que mais lhe afligia.

De tempos em tempos ele tentava reconquistá-la. De tempos em tempos ela cedia. O fogo da paixão a suscitava à inúmeras recaídas. Para o bem e para o mal, tudo nele a provocava.

Amiúde sentira asco. Não tão forte, como possam imaginar. Raramente vomitava. O cheiro, antes de homem viril, sexo alucinante; agora apresentava uma exaltação de sentidos ruins.

O escárnio lancinante criava feridas. Vítima impune anunciou o perverso inquisidor. Nunca fora afetada pela luxuria. Ele sim. Sabia disso. Sempre soube.

A iniquidade exalava de seus poros. Um vento suave amenizava as expressões do seu rosto. Uma ternura severa apropriava-se das suas feições. Algo arriscado para um homem da sua estirpe. Algo novo e inusitado no seu mundo de jogos, trapaças e canos fumegantes.

Cheirava a cigarro desde que começara o seu novo emprego. Ela nunca soube ao certo o que fazia. Dizia ele ser importante. Agia como se fosse.

O asco transbordava seu corpo pueril de mulher. Não pensava em coisas boas. Somente coisas terríveis surgiam em sua mente, antes mesmo de se dar conta dessa manifestação de pensamentos demoníacos. O amor, já partido, lhe ensinara muitas coisas, mas aprendeu mais com o ódio. Já quis matá-lo, porém nunca rompeu a barreira da vontade.

Quem sabe um dia o mate, ou se desapegue, se pegue a algum subterfúgio do seu instinto feminino. Talvez o faça mesmo sem querer. Por iniciativas alheias a sua vontade. Tudo sempre foi inesperado para ela. Pode não acontecer, pode esquecer, pode até morrer antes de ir a forra. Não significa que nunca vivenciou. Que nunca sentiu. Que nunca chorou. Está na hora.

Ela morta ou viva, ele vivo ou morto. De todo jeito, o asco será sempre maior.

Um comentário:

Marô Zamaro disse...

Penso na frequencia das mudanças climáticas, e no quão devastadoras elas podem ser.
Pois a mudança de sentimento tem intervalos ainda mais curtos, e seu período de atividade pode ser ainda mais devastador do que a maior tempestade equatorial.

Aaaah, o empoeirada descrição de Vinícius de Moraes, já opaca por tantas vozes insensíveis que a citam sem senti-la:


E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.





Que seja infinito enquanto dure.
Ótimo texto, amor.